quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Vida em códigos de barras


Mapeando porções de DNA (sigla em inglês para ácido dexorribonucleico), material genético transmitido a cada geração entre os seres vivos e que se altera durante processos evolutivos, pesquisadores de todo o mundo estão protagonizando uma revolução silenciosa. Cada animal ou planta sequenciada pode ser identificado por um “código de barras”. Feito isso, a informação pode correr o mundo e ser usada em pesquisas comparativas com outras espécies, identificando parentes ou enriquecendo a lista da vida no planeta.

A tecnologia deslanchou no início dos anos 2000, quando o pesquisador canadense Paul Hebert, da Universidade de Guelph (Ontário), percebeu que pequenas diferenças genéticas entre espécies poderiam ser usadas para catalogar animais e plantas, bem como apontar suas características evolutivas. Naquele centro de ensino e pesquisa foi montado um pólo sobre o chamado DNA em códigos de barras. Ali, o trabalho já levou ao sequenciamento de 95% dos peixes de água doce do país e 98% dos peixes ornamentais comercializados para aquaristas.

E as aplicações do método não se esgotam. Com ele é possível identificar quais plantas fazem parte da dieta de determinado inseto analisando o material genético em seu estômago, apontar semelhanças entre árvores de diferentes pontos do planeta, mostrar que plantas de mesmo nome são formas distintas de vida, revelar variações genéticas em populações da mesma espécie, identificar a origem de animais e plantas traficados, desvendar segredos em plantas medicinais e até mostrar se há apenas atum nas latas vendidas em supermercados e outros estabelecimentos.

No Brasil há grupos debruçados no sequenciamento genético de anfíbios, aves, mamíferos e peixes. Um deles está na Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde durante o mapeamento de 500 peixes foram descobertas quinze novas espécies e revelado que duas tratavam-se do mesmo animal. “Se aqui no estado de São Paulo identificamos quinze novos peixes, imagine o que há na Amazônia e outras regiões do país. Fala-se muito em preservar, mas pouco conhecemos da nossa biodiversidade”, ressaltou o pesquisador Cláudio Oliveira, do Instituto de Biociências da Unesp.

Sul e Sudeste concentram os peixes catalogados com DNA em código de barras no país. Na América Latina, foram mapeadas pouco mais de novecentas espécies, mas a estimativa é de oito mil peixes diferentes para a região.

Ao mesmo tempo, próximas e distantes
 
O DNA codificado em barras também mostrou que algumas aves vivem tanto na Mata Atlântica brasileira quanto na área de Yungas, entre a Bolívia e a Argentina, regiões a milhares de quilômetros entre si e que podiam estar ligadas no passado por uma vegetação contínua. Também foi verificado que grande parte das espécies que vivem no sul do Brasil e Uruguai também ocorrem na Argentina.

Para o professor no Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionista da Universidade de Michigan (Estados Unidos), Christopher William Dick, a técnica pode revelar uma grande quantidade de espécies que evoluíram de forma diferente, mesmo em locais bem próximos.

“Depois de estudos acurados, espécies não identificadas podem se tornar novas para a ciência. Creio que muitas centenas de novas espécies serão encontradas nas florestas da Amazônia com essa tecnologia. E quando tivermos a capacidade de identificar espécies ou populações geograficamente distintas, será mais fácil controlar o tráfico de animais, plantas e produtos derivados, bem como apontar madeira de origem legal e de desmates clandestinos”, disse o pesquisador, que passou cinco anos no Amazonas durante seu doutorado.

Limitações

Apesar de revolucionário, o mapeamento genético em códigos de barras não elimina o trabalho de campo ou a taxonomia. Logo, seguem a coleta de espécimes e as horas de laboratório. “Ele complementa os métodos tradicionais para identificação de espécies. Algumas, por exemplo, só apresentam certas características no período reprodutivo e, com o mapeamento genético, aprimoramos sua identificação”, explicou Cláudio Oliveira, da Unesp.

De acordo com Christopher Dick, quanto mais diferente for a história evolutiva das espécies, mais fácil se torna a sua distinção com sequenciamento em código de barras. O que não ocorre, por exemplo, com a família das árvores do gênero ingá, com cerca de 300 espécies nas matas tropicais da América do Sul. “Elas evoluíram há pouco tempo e não desenvolveram grandes diferenças de DNA entre si”, comentou.

A técnica também não anda sozinha, depende de uma boa base de dados para que cada mapeamento genético possa ser comparado com o que já foi descoberto em outros pontos do planeta. “A técnica só é útil junto com uma biblioteca de referência, ligando as sequencias de DNA a nomes de espécies. Ainda não há uma extensa biblioteca central à disposição”, comentou Dick.

Já existe uma base global com informações sobre peixes, com mais de 7,2 mil espécies mapeadas, e outra sobre aves, com quase três mil animais sequenciados, além de centros nacionais, como os montados no Canadá e na Austrália. Uma biblioteca global deve ser lançada até junho (confira os atalhos abaixo).

Além disso, conta Oliveira, da Unesp, será preciso recoletar a maior quantidade possível de espécies em todo o planeta, pois o material estocado em museus e coleções nem sempre guarda as informações genéticas necessárias para o sequenciamento. Só de plantas, estima-se um total de 270 milhões de espécimes estocados em 147 países. “É uma tecnologia muito importante que depende da capacidade de cada país sequenciar DNA. No Brasil, temos poucos laboratórios capazes de realizar esse trabalho e ampliar nossos conhecimentos sobre a biodiversidade”, avaliou. (do site oeco).

Atalhos para conhecer mais:

Canadian Centre for DNA Barcoding
Fish Barcode of Life Initiative (Fish-BOL)
All Birds Barcoding Initiative
International Barcode of Life (iBOL)

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