quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Como a França moldou o Brasil (*)

Este é o Ano da França no Brasil. De 21 de abril até novembro, brasileiros de 15 cidades poderão ver o que os franceses têm de melhor. A lista inclui exposições de arte, concertos musicais, espetáculos de dança, teatro e cinema, debates e celebrações. É parte de um projeto ambicioso de intercâmbio, que começou em 2005, comemorado como o Ano do Brasil na França, com o objetivo de mostrar as novidades da cultura dos dois países.

Essa história é bem mais antiga do que se imagina. Envolve uma relação de confronto e sedução de parte a parte, que acabaria por moldar de forma decisiva a identidade brasileira. Nos bistrôs e cafés parisienses, a música brasileira é onipresente. Os franceses adoram o samba, o carnaval, a literatura e o cinema brasileiros. O escritor Paulo Coelho é mais celebridade nas ruas de Paris que no Rio de Janeiro. Mas a França já era obcecada pelo Brasil antes mesmo da chegada de Pedro Álvares Cabral à Bahia. A recíproca se provaria verdadeira ao longo dos cinco séculos seguintes. Atualmente, os brasileiros fazem negócios com os Estados Unidos, mas cultuam a gastronomia, a moda, a arte e os prazeres da vida franceses.

No período colonial, o Brasil deixou de ser francês por pouco. Foram os franceses que precipitaram a decisão do rei dom João III (1502-1557) de criar, em 1534, o sistema de capitanias hereditárias, o primeiro esforço de povoamento do Brasil. Nas primeiras décadas do século 16, franceses exploravam pau-brasil no litoral do Nordeste como se fossem donos do território. Há evidências de que já conheciam a costa brasileira bem antes de 1500. Um deles, Jean de Cousin, teria tentado se estabelecer na Amazônia em 1488.

A guerra entre França e Portugal pela posse do Brasil durou mais de dois séculos. O primeiro confronto de que se tem notícia aconteceu em novembro de 1529, quando a nau La Pellérine invadiu a feitoria do rio Igaraçu, em Pernambuco, onde os portugueses tinham uma pequena fortaleza. Os franceses foram expulsos em 1532 pelo comandante Pero Lopes de Sousa (1497-1539). Meio século mais tarde, em 1550, Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571) ocupou o Rio de Janeiro por 12 anos, até ser derrotado por Mem de Sá (1500-1572). Em 1612, outra tentativa de ocupação, dessa vez no Maranhão, reconquistado após dois anos por Jerônimo de Albuquerque (1510-1584). No começo do século 18, haveria ainda mais duas investidas de corsários franceses contra o Rio. A última ocorreu em 12 de setembro de 1711. Ao amanhecer, encobertas pelo denso nevoeiro, 18 embarcações comandadas por René Duguay-Trouin (1673-1736) tomaram a cidade. Trouin foi embora em troca de um grande resgate pelos bens que havia saqueado.

Marcas culturais

Cessada a luta pela ocupação territorial, a influência francesa no Brasil se daria no campo das artes, dos costumes e das ideias. As consequências seriam profundas e duradouras. Seu marco foi a transferência da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Ao chegar ao Brasil, dom João VI (1767-1826) iniciou um acelerado período de transformações. O esforço não foi apenas administrativo. Enquanto mandava abrir estradas, construir fábricas e organizar a estrutura de governo, dom João também se dedicava ao que o historiador Jurandir Malerba chamou de "empreendimentos civilizatórios". Nesse caso, a meta era promover as artes e a cultura e tentar infundir algum traço de refinamento e bom gosto nos hábitos atrasados da colônia.

A maior dessas iniciativas foi a contratação, em Paris, da famosa Missão Artística Francesa. Chefiada por Joaquim Lebreton (1760-1819), secretário perpétuo da seção de belas-artes do Instituto de França, a missão chegou ao Brasil em 1816 e era composta por alguns dos mais renomados artistas da época, incluindo o pintor Jean-Baptiste Debret (1768-1848), Auguste Taunay, escultor (1791-1687), e Grandjean de Montigny (1776-1850), arquiteto.

Oficialmente, o objetivo da missão francesa era a criação de uma academia de artes e ciências. O plano nunca saiu do papel, mas alguns historiadores consideram a chegada da missão o início efetivo das artes no Brasil. Na época da corte, a influência francesa era marcante no Rio de Janeiro. As lojas estavam repletas de novidades que chegavam de Paris. Incluíam vestidos e chapéus da última moda, perfumes, água-de-colônia, luvas, espelhos, relógios, tabaco, livros e uma infinidade de mercadorias até então proibidas e ignoradas na antiga colônia.

Mas foi no campo das ideias que os franceses mais ajudaram a transformar o Brasil. Elas estavam por trás da Inconfidência Mineira, da Revolta dos Alfaiates na Bahia, da Revolução Pernambucana de 1817, da Confederação do Equador, em 1824, e de inúmeros outros movimentos de rebelião. Nos Autos de Devassa da Inconfidência foi encontrada uma coleção dos enciclopedistas francesas na casa de um dos conspiradores. Isso num tempo em que a circulação dessas obras era reprimida. O movimento da Independência, em 1822, foi tramado, em boa parte, dentro das Lojas Maçônicas, que tinham seu berço na França.

Em resumo: às vésperas de sua independência, o Brasil dormia com o autoritário e conservador Portugal, mas sonhava mesmo era com a charmosa e libertária França.

* Artigo escrito em 2009, por Laurentino Gomes, para a revista Aventuras na História.

Vida em códigos de barras


Mapeando porções de DNA (sigla em inglês para ácido dexorribonucleico), material genético transmitido a cada geração entre os seres vivos e que se altera durante processos evolutivos, pesquisadores de todo o mundo estão protagonizando uma revolução silenciosa. Cada animal ou planta sequenciada pode ser identificado por um “código de barras”. Feito isso, a informação pode correr o mundo e ser usada em pesquisas comparativas com outras espécies, identificando parentes ou enriquecendo a lista da vida no planeta.

A tecnologia deslanchou no início dos anos 2000, quando o pesquisador canadense Paul Hebert, da Universidade de Guelph (Ontário), percebeu que pequenas diferenças genéticas entre espécies poderiam ser usadas para catalogar animais e plantas, bem como apontar suas características evolutivas. Naquele centro de ensino e pesquisa foi montado um pólo sobre o chamado DNA em códigos de barras. Ali, o trabalho já levou ao sequenciamento de 95% dos peixes de água doce do país e 98% dos peixes ornamentais comercializados para aquaristas.

E as aplicações do método não se esgotam. Com ele é possível identificar quais plantas fazem parte da dieta de determinado inseto analisando o material genético em seu estômago, apontar semelhanças entre árvores de diferentes pontos do planeta, mostrar que plantas de mesmo nome são formas distintas de vida, revelar variações genéticas em populações da mesma espécie, identificar a origem de animais e plantas traficados, desvendar segredos em plantas medicinais e até mostrar se há apenas atum nas latas vendidas em supermercados e outros estabelecimentos.

No Brasil há grupos debruçados no sequenciamento genético de anfíbios, aves, mamíferos e peixes. Um deles está na Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde durante o mapeamento de 500 peixes foram descobertas quinze novas espécies e revelado que duas tratavam-se do mesmo animal. “Se aqui no estado de São Paulo identificamos quinze novos peixes, imagine o que há na Amazônia e outras regiões do país. Fala-se muito em preservar, mas pouco conhecemos da nossa biodiversidade”, ressaltou o pesquisador Cláudio Oliveira, do Instituto de Biociências da Unesp.

Sul e Sudeste concentram os peixes catalogados com DNA em código de barras no país. Na América Latina, foram mapeadas pouco mais de novecentas espécies, mas a estimativa é de oito mil peixes diferentes para a região.

Ao mesmo tempo, próximas e distantes
 
O DNA codificado em barras também mostrou que algumas aves vivem tanto na Mata Atlântica brasileira quanto na área de Yungas, entre a Bolívia e a Argentina, regiões a milhares de quilômetros entre si e que podiam estar ligadas no passado por uma vegetação contínua. Também foi verificado que grande parte das espécies que vivem no sul do Brasil e Uruguai também ocorrem na Argentina.

Para o professor no Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionista da Universidade de Michigan (Estados Unidos), Christopher William Dick, a técnica pode revelar uma grande quantidade de espécies que evoluíram de forma diferente, mesmo em locais bem próximos.

“Depois de estudos acurados, espécies não identificadas podem se tornar novas para a ciência. Creio que muitas centenas de novas espécies serão encontradas nas florestas da Amazônia com essa tecnologia. E quando tivermos a capacidade de identificar espécies ou populações geograficamente distintas, será mais fácil controlar o tráfico de animais, plantas e produtos derivados, bem como apontar madeira de origem legal e de desmates clandestinos”, disse o pesquisador, que passou cinco anos no Amazonas durante seu doutorado.

Limitações

Apesar de revolucionário, o mapeamento genético em códigos de barras não elimina o trabalho de campo ou a taxonomia. Logo, seguem a coleta de espécimes e as horas de laboratório. “Ele complementa os métodos tradicionais para identificação de espécies. Algumas, por exemplo, só apresentam certas características no período reprodutivo e, com o mapeamento genético, aprimoramos sua identificação”, explicou Cláudio Oliveira, da Unesp.

De acordo com Christopher Dick, quanto mais diferente for a história evolutiva das espécies, mais fácil se torna a sua distinção com sequenciamento em código de barras. O que não ocorre, por exemplo, com a família das árvores do gênero ingá, com cerca de 300 espécies nas matas tropicais da América do Sul. “Elas evoluíram há pouco tempo e não desenvolveram grandes diferenças de DNA entre si”, comentou.

A técnica também não anda sozinha, depende de uma boa base de dados para que cada mapeamento genético possa ser comparado com o que já foi descoberto em outros pontos do planeta. “A técnica só é útil junto com uma biblioteca de referência, ligando as sequencias de DNA a nomes de espécies. Ainda não há uma extensa biblioteca central à disposição”, comentou Dick.

Já existe uma base global com informações sobre peixes, com mais de 7,2 mil espécies mapeadas, e outra sobre aves, com quase três mil animais sequenciados, além de centros nacionais, como os montados no Canadá e na Austrália. Uma biblioteca global deve ser lançada até junho (confira os atalhos abaixo).

Além disso, conta Oliveira, da Unesp, será preciso recoletar a maior quantidade possível de espécies em todo o planeta, pois o material estocado em museus e coleções nem sempre guarda as informações genéticas necessárias para o sequenciamento. Só de plantas, estima-se um total de 270 milhões de espécimes estocados em 147 países. “É uma tecnologia muito importante que depende da capacidade de cada país sequenciar DNA. No Brasil, temos poucos laboratórios capazes de realizar esse trabalho e ampliar nossos conhecimentos sobre a biodiversidade”, avaliou. (do site oeco).

Atalhos para conhecer mais:

Canadian Centre for DNA Barcoding
Fish Barcode of Life Initiative (Fish-BOL)
All Birds Barcoding Initiative
International Barcode of Life (iBOL)

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