O impacto do aquecimento global trará muitas mudanças para a indústria do vinho. Positivas em alguns casos, desastrosas em outros. Temperaturas acima da média causarão mudanças na fisiologia da videira, o que por sua vez deve impactar a viticultura e a vinificação. O aquecimento global forçará mudanças a ponto de garantir a sustentabilidade das regiões viticultoras mais quentes atualmente. Ele, potencialmente, alterará o estilo dos vinhos, melhorando regiões produtoras mais frias, e criando novas áreas para a vitivinicultura. Ele pode até afetar o comportamento do consumidor. Todos esses fatores terão impacto direto na indústria do vinho.
A viticultura foi introduzida na Europa pelos romanos no século III e coincidiu com um período de aquecimento. Desde então, o planeta sofreu séries de ciclos de calor e frio. No século VIII, houve uma época de aquecimento. Por outro lado, no século XIV, ocorreu uma queda brusca na temperatura. Alguns cientistas acreditam que o atual aumento na média das temperaturas é um ciclo pelo qual estamos passando e que as temperaturas logo voltarão a baixar. Outros estudiosos ainda advertem sobre a possibilidade de o planeta experimentar perigosas quedas de temperatura que podem nos levar a uma mini era do gelo, similar a que ocorreu de 1660 a 1830. Entretanto, muitos especialistas acreditam que a ameaça do aquecimento global é real.
Aquecimento global é uma teoria apresentada por cientistas e climatologistas que diz que o planeta está se aquecendo rapidamente por causa da poluição industrial. O principal centro de pesquisas cientificas da Austrália, a CSIRO (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation) estima um aumento de temperatura média entre 0,3o e 1,7oC em 2030, e entre 0,8o e 5,2oC em 2070. De acordo com o instituto de meteorologia britânico, os níveis atmosféricos de dióxido de carbono aumentaram em 20% nos últimos 50 anos. Fontes do Greenpeace sugerem que se as mudanças climáticas continuarem na velocidade atual, as temperaturas na França podem aumentar em 6oC até o fim do século.
Alteração na videira
A vinha é uma planta extremamente resistente, capaz de suportar uma ampla variação de temperatura - de -20oC para mais de 40oC. Ela facilmente se adapta a uma variedade de condições e alguns especialistas apontam que o aquecimento global simplesmente forçará a planta a mudar sua fisiologia. A vinha será capaz de lidar com isso fechando seus estômatos (estruturas celulares cuja função é realizar as trocas gasosas entre as plantas e o meio) quando a temperatura se tornar excessivamente quente,para se adaptar ao novo desafio. Isso resultará em um processo respiratório mais eficiente e diminuirá a necessidade de água. Outros acreditam que a maturação fenólica e fisiológica serão ampliadas nas regiões de maior aquecimento. Isso fará com que se tenha vinhos com níveis alcoólicos mais altos se colhidos com fenóis mais maduros, ou sabores herbáceos se colhidos mais cedo para evitar o álcool em excesso.
A vinha é uma planta extremamente resistente, capaz de suportar uma ampla variação de temperatura e se adapta facilmente a uma variedade de condições
Congelamentos, secas e chuvas
Invernos mais quentes podem reduzir a ameaça de geadas. Isso beneficiaria regiões mais frias como Champagne ou também Washington, que têm sofrido regularmente com isso, como em 1985, 1991, 1996 e 2004. Pode ocorrer uma modificação no ciclo anual da videira devido a um clima mais quente, o que pode contribuir para o surgimento dos brotos mais cedo, e consequente floração e maturação precoces. Colheitas precoces seriam bem-vindas em certas regiões como Bordeaux e Loire, porque iriam permitir aos produtores colher antes das chuvas de outono.
Na Borgonha, entre 1988 e 2006, as uvas foram colhidas em média 13 dias antes se comparadas com o período de 1973 a 1987. Um clima mais quente durante a colheita pode forçar produtores a optar por colheita mecanizada durante a noite para preservar a integridade dos sabores da fruta e evitar a oxidação.
Padrões climáticos em geral ficarão mais tropicais, com longos períodos de seca seguidos de chuvas fortes. As secas podem aumentar a pressão sobre as necessidades de água e isso já é um problema em determinadas partes da Austrália. As chuvas fortes trarão a ameaça de erosão do solo, especialmente em vinhas plantadas em encostas. Pode ser necessário mudar as práticas de manejo do solo para incorporar rotação de culturas para evitar deslizamentos e erosão.
Poda e doenças
No vinhedo, o gerenciamento da poda talvez precise ser revisto. Por exemplo, o produtor pode decidir mudar de Guyot para lira para oferecer uma cobertura de folhas extra para a videira. Temperaturas mais elevadas e um ambiente mais seco podem diminuir a ameaça de botrytis. Em contrapartida, a maior umidade combinada com a temperatura mais elevada aumenta a ameaça de oídio. Há ainda a ameaça da migração de uma praga para novos climas mais quentes. Por exemplo, Xylella Fastidiosa, a bactéria que causa a doença de Pierce, é extremamente dependente da temperatura e raramente sobrevive a temperaturas inferiores a 1,1oC. O maior calor poderia colocar regiões como Oregon e Canadá sob ameaça.
Além do perigo de extinsão de certos vinhos, o consumidor terá que aceitar mudanças no estilo dos vinhos
Acidez, experiências e novas técnicas
Algumas pesquisas apontam para temperaturas mais altas durante a noite devido ao aumento das nuvens. Isso resultaria em uvas com menores níveis de acidez. O produtor teria a opção entre o replantio de variedades de uvas - como a Tempranillo, que retêm mais acidez em climas mais quentes - ou acidificar o mosto. Na Austrália, existem dezenas de produtores que estão testando a Tempranillo, ao passo que os produtores de áreas clássicas do Velho Mundo, tais como Alsácia, secretamente realizam experimentos com variedades alternativas, como a Syrah. Além de acidificação, o produtor pode ter que buscar outras opções em sua "caixa de ferramentas" e buscar leveduras que são menos eficazes na conversão de álcool, ou utilizar técnicas modernas para diminuir os níveis de álcool, como a osmose reversa ou colunas de destilação de cone rotativo - uma tecnologia norte-americana em que o vinho passa por uma coluna cujo sistema de cones rotativos separa frações voláteis, incluindo o álcool, através de força centrífuga e vácuo. Muitas dessas técnicas terão de ser utilizadas a fim de garantir a sustentabilidade das aquecidas regiões vitivinícolas atuais.
No Novo Mundo, boa parte dessas técnicas são legais e muitas vezes utilizadas. Entretanto, a legislação europeia terá de ser alterada para aceitar certas práticas. O aquecimento global já forçou a União Europeia a relaxar sua legislação sobre irrigação. Embora a flexibilidade e as novas alterações se tornem certamente necessárias para garantir a sustentabilidade de muitas regiões vitivinícolas, isso por si só não garante que vinhedos famosos, como Urtziger Wurtzgarten ou Le Montrachet, ainda serão considerados como tendo alguns dos melhores "terroir" no mundo.
Efeitos em novas e antigas regiões
O aquecimento global também terá um lado positivo em regiões que atualmente sofrem com o amadurecimento de uvas. Locais como o Canadá e Inglaterra possivelmente atingirão níveis mais elevados de qualidade e experimentarão maior consistência na colheita - daí a notícia de que os produtores de Champagne tenham manifestado interesse em investir em vinhedos do Reino Unido. Podemos até ver a aparição de novas regiões produtoras de vinho em lugares remotos, como a Suécia ou a Terra del Fuego, uma das regiões meridionais da América do Sul.
Por outro lado, alguns estilos de vinho se tornarão mais difíceis de serem produzidos, como o delicado Kabinnet ou Eiswein. O aquecimento global fará com que o nível dos oceanos subam. Regiões perto do mar, como o Swan District no leste da Austrália, ou Pays Nantais na França, sofrerão mudanças significativas; outras áreas como Colares, em Portugal, poderão enfrentar a extinção, como também as vinhas das regiões mais baixas de Bordeaux, incluindo famosos Châteaux Cru Classé.
Novos vinhos
Além do perigo da extinção de certos vinhos, o consumidor terá que aceitar mudanças no estilo dos vinhos. Temperaturas mais elevadas resultarão em vinhos mais ricos, completos e alcoólicos. Talvez Chablis parecerá mais com um Chardonnay feito em Maconnais, e Muscadet se tornará um vinho rico e frutado com menores níveis de acidez. Em vez de pagar mais por vinhos de safras mais quentes como a de 2000 em Bordeaux, o consumidor poderá valorizar mais os vinhos de anos mais frios.
O aquecimento global pode alterar a forma da indústria do vinho. Além disso, um clima mais quente pode levar a mudanças nas tendências de consumo e, possivelmente, aumentar a demanda por vinhos brancos e rosados - sendo assim possível alterar o equilíbrio atual na produção de uvas brancas versus tintas. Esses fatores deveriam ser os mais relevantes nas mentes das pessoas que entram na indústria ou consideram replantio. Todas estas questões combinadas fazem do aquecimento global o fator mais importante que afetará a indústria do vinho durante as próximas décadas. (Adega)