Em 1989 como hoje, os povos indígenas da região não querem a hidrelétrica, que irá trazer inúmeros impactos a eles e aos ribeirinhos também. Em 1989 como hoje, as populações tradicionais têm a mesma queixa: não estão sendo ouvidas nem consultadas.
Decisão é do povo brasileiro
Durante a coletiva, Sting afirmou que a decisão de construir Belo Monte é do povo brasileiro e que ele, como estrangeiro, só poderia reforçar a importância de que todos os brasileiros precisam ser ouvidos. “Governo não conversou com índio”, disse o líder kayapó Megaron, sobrinho de Raoni, presente ao encontro. “Índio não sabe o que é audiência pública. Pensa que é ir lá para brigar”, afirmou. “Governo não sabe ouvir índio. Lula quer usar seu poder para fazer Belo Monte de qualquer jeito”.
O cacique Raoni, falando em língua kayapó, lembrou de quando foi condecorado por Lula. "Quando o presidente me deu medalhas eu perguntei se ele ia assinar a barragem. Ele disse que não ia assinar. Mas ele nunca nos juntou para discutir sobre a barragem. Por isso fico preocupado. Será que ele vai assinar"? E depois mandou um recado plea imprensa presente: "Não quero barragens no Rio Xingu. Espalhem isso".
Raoni também fez questão de dizer que os kayapó querem paz para seus filhos e netos. Afirmou que seu povo está crescendo, que vive da caça e da pesca, de peixe. “Quero comida para meu povo”, disse o cacique.
Belo Monte na ONU
Sting contou aos jornalistas que sua mulher Trudie - com quem fundou a Rainforest US em 1989, depois de ter participado do encontro de Altamira - havia falado na Assembléia Geral da ONU na semana passada contando a história de Raoni e o caso da hidrelétrica de Belo Monte.
"Há 20 anos eu tinha a intuição de que a floresta era importante para o planeta e há algum tempo a ciência comprovou isso”. Sting relembrou a viagem que fez com Raoni a muitos países do mundo divulgando a importância de demarcar os territórios indígenas e levando o protesto dos indígenas contra a construção de Belo Monte.
O primeiro projeto da Rainforest recém-criada foi apoiar o reconhecimento oficial da Terra Indígena Mekragnoti, Kayapó. Em 1991, a TI foi demarcada.
Na década de 1990, a Rainforest passou a apoiar projetos no Parque Indígena do Xingu, em parceria com o ISA. Entre eles, o monitoramento dos limites do Parque para prevenir invasões e o desenvolvimento de um sistema de educação bilíngue para 14 etnias que ali vivem, estimulando o desenvolvimento sustentável e apoiando a Associação Terra Indígena do Xingu (Atix). O Parque Indígena do Xingu é hoje uma ilha verde preservada no coração do Mato Grosso, pressionada de todos os lados pela expansão da fronteira agrícola.
Também no caso dos índios Panará, a Rainforest Foundation e o ISA desempenharam papel fundamental no retorno desse povo ao seu território ancestral, em 1996, 25 anos depois de um exílio forçado no Parque do Xingu para onde foram levados após quase terem sido totalmente dizimados pela construção da BR 163, rodovia que liga Cuiabá a Santarém, na década de 1970. Os Panará também obtiveram uma vitória histórica, em 2003, ao serem indenizados pelo governo brasileiro por decisão da Justiça. (Saiba mais).
Raoni convidou Sting para participar da inauguração da nova aldeia Kayapó, em abril do ano que vem. O cantor disse que tentaria ir e levaria sua mulher Trudie.
O Encontro de 1989
O ISA sempre acompanhou de perto os debates sobre Belo Monte. Já em 1988, por meio do Programa Povos Indígenas no Brasil, do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), uma das organizações que deu origem ao Instituto Socioambiental (ISA), denunciou os planos de construir hidrelétricas e outras obras de infraestrutura na Amazônia, sem consulta aos povos indígenas, e mobilizou a opinião pública contra essa arbitrariedade.
Para avançar na discussão sobre a construção de hidrelétricas, lideranças kaiapó reuniram-se na aldeia Gorotire em meados de 1988 e decidiram pedir explicações oficiais sobre o projeto hidrelétrico no Xingu, formulando um convite às autoridades brasileiras para participar de um encontro a ser realizado em Altamira (PA). A pedido do líder indígena Paulo Paiakan, o antropólogo Beto Ricardo e o cinegrafista Murilo Santos, do Cedi, participaram da reunião, assessorando os kaiapó na formalização, documentação e encaminhamento do convite às autoridades.
Na seqüência, uniram-se aos kaiapó na preparação do evento. O encontro finalmente aconteceu e o Cedi, com uma equipe de 20 integrantes, reforçou sua participação no encontro. Ao longo desses anos, o Cedi, e depois o ISA, acompanharam os passos do governo e da Eletronorte na questão de Belo Monte, e os impactos que provocaria sobre as populações indígenas, ribeirinhas e todo o ecossistema da região.
O I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu acabou ganhando imprevista notoriedade, com a maciça presença da mídia nacional e estrangeira, de movimentos ambientalistas e sociais e do cantor Sting, na época líder da banda The Police, que é sucesso até hoje embora tenha se dissolvido. Cerca de três mil pessoas participaram do evento, entre elas 650 índios de diversas partes do país e de fora, lideranças como Raoni, Marcos Terena, Paulo Paiakan e Ailton Krenak; autoridades como o então diretor da Eletronorte, e hoje presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, o então presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fernando César Mesquita, deputados federais; 300 ambientalistas, e cerca de 150 jornalistas.
Foi nessa ocasião que a índia Tuíra, prima de Paiakan, levantou-se da platéia e encostou a lâmina de seu facão no rosto do diretor da estatal num gesto de advertência. A cena correu o mundo, reproduzida em jornais de diversos países e tornou-se histórica. O evento foi encerrado com o lançamento da Campanha Nacional em Defesa dos Povos e da Floresta Amazônica, exigindo a revisão dos projetos de desenvolvimento da região, a Declaração Indígena de Altamira e uma mensagem de saudação do cantor Milton Nascimento. O encontro de Altamira é considerado um marco do socioambientalismo no Brasil. (ISA)