segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Cannabis do bem

A equipe policial se moveu com rapidez até encontrar seu objetivo: os 47mil pés de maconha que cresciam felizes, ocultos por um campo de milho. Os policiais não esperaram para começar a cortar os arbustos esbeltos, facilmente reconhecidos por suas folhas de cinco pontas. Já tinham cumprido metade da tarefa quando homens desesperados apareceram. Depois de muita discussão, os policiais perceberam que acabavam de destruir o campo experimental de cânhamo industrial do Centro de Pesquisas Agrícolas da Universidade de Wageningen, na Holanda.

O mal-entendido ocorreu no início de setembro, e não é nenhuma novidade para os cientistas dos centros de pesquisa agropecuária ao redor do mundo. Há décadas eles vêm sendo interrogados e maltratados por policiais que, tomados por um insuperável “racismo” vegetal, não percebem uma diferença básica. O cânhamo industrial (CannabisSativa Sativa) e a maconha (CannabisSativa Indica) são plantas muito próximas, mas têm uma diferença fundamental: o tetra-hidro-canabinol, o temido THC, o princípio ativo da droga. Na maconha, sua concentração vai de 6% a 20% nas espécies mais potentes. No caso do cânhamo industrial, a concentração é de apenas 0,3%, ou seja, é possível fumar toneladas de cânhamo sem nenhum efeito entorpecente.

As autoridades policiais não fazem essa diferenciação ao cortar as plantas, o que acaba podando também as oportunidades de negócio. Segundo FabrizioGamberini, uruguaio fundador da TheLatin America Hemp Trading, em Montevidéu, o cânhamo industrial é muito usado hoje na Alemanha e na França por suas propriedades isolantes. “Suas fibras são misturadas à fibra de vidro e usadas em portas e pastilhas de freios pela Mercedes Benz e pela BMW”, diz ele. Gamberini afirma que o cânhamo é uma fonte de celulose ecológica e seus óleos e sementes podem ser usados em centenas de alimentos e cosméticos, além das fibras. “Nos Estados Unidos, o mercado para o cânhamo industrial é de um bilhão de dólares”, diz.

Esses usos fizeram com que, além dos países europeus, China, Canadá e oito estados norte-americanos tivessem autorizado a produção do cânhamo industrial. Diante disso, Gamberini– que não é agrônomo nem agricultor, mas administrador de empresas, e trabalhou no mercado financeiro, com poupança e crédito – quer que o Uruguai seja o primeiro país da América Latina a autorizar a produção do cânhamo industrial.

Se isso ocorrer, será o retorno de uma antiga tradição. Durante séculos, as fibras de cânhamo têm sido usadas em cordas, tecidos e calçados. No Chile, a indústria do cânhamo foi uma atividade relevante entre os séculos 17 e19. “Mas hoje a legislação chilena não diferencia entre as duas variedades da planta, porque as autoridades temem que se plante maconha junto com o cânhamo”, diz o uruguaio, que também é representante comercial da Ecofibre Industries Limited, da Austrália.

Segundo o pesquisador baiano SérgioVidal, que desenvolveu um estudo sobre a fibra do cânhamo, no Brasil o problema se repete. “O cultivo foi proibido em 1932, sem nenhum tipo de exceção”, diz ele. A planta faz parte da história brasileira. “Havia um comércio ativo de cânhamo na época do Brasil Império, quando o cânhamo era usado para a produção de velas de navios e de roupas, e suas sementes forneciam óleo para a iluminação, juntamente com o óleo de baleia”.

Para Gamberini, proibir por desconfiança é absurdo. “O Canadá implantou um sistema rigoroso de registro de agricultores e já existem 10 mil hectares cultivados”. Por isso, o uruguaio faz sua defesa junto aos candidatos à Presidênciado país. E não está sozinho na corrida pela legalização. No México, por exemplo, a deputada social-democrata Elsa Conde apresentou no fim de 2008 um projeto para autorizar o cultivo industrial do cânhamo. Seu argumento foi o de que “os tratados internacionais de regulação de cannabis permitem o uso industrial do cânhamo, bem como os acordos comerciais assinados pelo México, como o Nafta, e os com a União Europeia, Venezuela e Colômbia, que contemplam quotas e disposições específicas para esses produtos”.

Enquanto isso, Gamberini mantém seu cultivo experimental com o objetivo de determinar qual seria a qualidade que melhor se adapta ao clima dos pampas”. Proibir o cultivo do cânhamo industrial devido à maconha é uma insensatez”, diz ele. “É como proibir que se coloquem sementes de papoula no pão”. (américaeconomia)

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