Para o cientista chefe do Centro de Estudos de Sistemas Avançados do Recife (Cesar), Silvio Meira, o futuro da internet está nas coisas. Ruas e carros interligados, dirigindo-se sozinhos, sem sinais de trânsito. Lixo monitorado pela web, com organizações aplicando multas e restrições às empresas que não cuidam dos seus detritos. Pessoas navegando através de seus smartphones, para se comunicar, gerar conteúdo e produzir inovação. “Vamos criar um campo informacional global onde teremos todas as coisas conectadas”, prevê.
JC – Como se pode usar a internet hoje para inovar?
SILVIO MEIRA – À medida que você coloca as empresas, pessoas e máquinas em rede, você cria uma plataforma que vai além do “ler e escrever”, uma rede onde se pode programar o que não está programado e agregar funcionalidades novas. Isso é o Farm ville dentro do Facebook e também é o Twitter, que nada mais é que um conjunto de API (ou Interface de Programação de Aplicações) no qual se pode criar à vontade. Na hora em que se faz isso, se começa a poder escrever negócios na rede numa escala social e que todo mundo tem como usar. A disponibilidade de uma infraestrutura entregue como serviço em rede permite a criação de um Twitter, por exemplo, que foi a maior inovação dos últimos anos.
JC – Esse tipo de transformação poderia ser prevista no início da internet?
SILVIO – É sempre mais fácil a gente superestimar o impacto das tecnologias num curto prazo, e subestimar no longo prazo. Essas tendências vêm sendo construídas há décadas, diminuindo o preço dos componentes, aumentando a produtividade de softwares, educando mais gente, automatizando um número cada vez maior de negócios... Quando isso começou, o computador ficava por trás do balcão: você falava com alguém, que falava com o operador do PC. Quando o computador vem para o balcão, se fala com quem usa diretamente o sistema. Agora você tira o intermediário e lida com a máquina.
JC – Mas o que acontecerá com os intermediários?
SILVIO – Resultados científicos mostram que inteligência artificial bate sistematicamente médicos no diagnóstico de febre de crianças abaixo de cinco anos. Essas máquinas dão conta da análise de um conjunto de sintomas muito maior do que um ser humano processa. Isso torna o médico obsoleto? Não. Só deixa o diagnóstico redundante, mas as outras funções do profissional ainda são importantes. Aconteceu a mesma coisa com os telefonistas e tratadores de cavalos. Os intermediários vão migrar para cima na cadeia de valor de trabalho da sociedade. Qualquer coisa que não for baseada em funções mentais usadas para criar, identificar, decodificar e resolver problemas será informatizada.
JC – Considerando-se a proximidade com a tecnologia e a facilidade de acesso, o que podemos esperar para o futuro?
SILVIO – Já está acontecendo. Nesta década, as plataformas de informatização, não só de negócios, mas de governo, da cidade e das pessoas, começarão a andar comigo, no smartphone. Estamos falando de mobilidade informacional conectada em larga escala em dispositivos que são programáveis. Os softwares que estão no meu celular são diferentes dos presentes em outros aparelhos, são personalizados, eu programo minha própria informática. Posso partir da disponibilidade de um número enorme de aplicações que estão no mercado, mas também posso ir lá e fazer meu próprio programa.
JC – Quais os obstáculos estruturais que impedem o acesso à tecnologia hoje?
SILVIO – O Brasil está atrasado. Mas isso talvez seja o problema estrutural de um País de proporções gigantescas, com desníveis de renda entre os maiores do mundo e de dificílima solução a curto prazo. Não tenho expectativa que façamos 50 anos em 5. Hoje a gente aprendeu que não pode olhar para o futuro como se o mundo fosse acabar, podemos progredir de forma sustentável. China e Índia tomaram a decisão de que vão poluir tudo o que puderem para chegar onde desejam, enquanto o Brasil tenta olhar de outra forma. Pode ser que isso nos deixe numa plataforma mais equilibrada, mas o número de variáveis é muito grande.
JC – O Plano Nacional de Banda Larga pode ajudar nisso?
SILVIO – Acho que o PNBL é uma declaração prática de que nós reconhecemos, depois de tanto tempo, que banda larga é uma das infraestruturas econômicas essenciais para a sociedade, assim como água, luz e estradas. Até o meio de 2011, o País terá mais casas com internet do que com esgoto tratado, mas aí podíamos combinar as coisas: por que não levar cabo de fibra ótica pelo cano de esgoto? É possível e econômico que se faça isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário