
Trata-se de um livrinho de capa dura e formato de bolso, ilustrado por Edward Hemingway - ninguém menos do que o neto do escritor - com texto do roteirista de televisão e cinema Mark Bailey. É uma compilação de frases e trechos de livros de 43 autores, entre os quais oito mulheres. Embora grande parte dos escritores fosse adepto do uísque ou de bebidas puras, cada um deles é homenageado com um drinque. As receitas, clássicos da coquetelaria, foram desenvolvidas e testadas pela dupla Hemingway e Bailey, que acrescenta pitadas históricas sobre a criação dos drinques.
Apesar do evidente ar de caça-níquel e das curiosidades a respeito dos autores serem típicas de revistas de celebridades, o livro tem certa graça. Mostra, por exemplo, que se a literatura abriga menos mulheres do que homens, o dito sexo frágil (realmente mais frágil para o álcool) também é capaz de beber em quantidades industriais sem qualquer recato.
"Gosto de um Martini/dois, no máximo/com três estou embaixo da mesa/com quatro, embaixo do anfitrião", dizia a poeta e contista Dorothy Parker. Bebedora contumaz, Parker teve uma vida solitária e seu único romance duradouro parece ter sido com a bebida. Mais versátil na troca de drinques do que na de afetos, passou pelo gim e pelo uísque até descobrir o champanhe. Fato que a levou a poetizar com ironia: "Três são as coisas que nunca terei: inveja, contentamento e champanhe suficiente".
Entre os romancistas, críticos, poetas e roteiristas listados ali, cinco ganharam o Nobel e 15, o prêmio Pulitzer. Mas quando se trata de bebida, os limites entre o prazer e o perigo são tênues, sabe-se. Se farras etílicas foram responsáveis por grandes páginas da literatura, igualmente redundaram em grandes tragédias.
Os textos sobre cada escritor são curtos e navegam de forma a contrapor a inspiração e as crises de criatividade, num turbilhão movido a álcool ou a juras de abstinência. É inacreditável verificar que alguns desses prosadores atingiram o recorde pessoal ao beber 60 horas seguidas e outros, como Jack London, foram capazes de sorver saquê noite e dia durante uma semana de estadia no Japão. Há histórias como a de Jack Kerouac, autor de "On the Road", que, depois de desmaiar num bar de marinheiros no porto de Boston acordou a bordo do SS Dorchester com destino à Groenlândia.
Assim como Marilyn Monroe - que tinha por hábito tomar gim no café da manhã durante as filmagens de "Os Desajustados" (John Huston, 1960) -, a primeira refeição de Hunter Thompson, típica de um alcoólatra, incluía quatro bloody marys. Era a "âncora psíquica" do pai do "jornalismo gonzo" que, mergulhado em álcool e drogas escreveu "Medo e delírio em Las Vegas". O romance virou filme e o ébrio Thompson foi interpretado no cinema por Johnny Depp.
Em matéria de casais embriagados e escandalosos nenhum foi páreo para Zelda e Scott Fitzgerald, que simbolizaram a "geração perdida" e os loucos anos 20. Com o sucesso precoce de Fitzgerald e muito dinheiro no bolso, o par viveu entre Paris e a Riviera francesa indo de festa em festa e alimentando a crônica social com porres homéricos.
Embora menos festejado, o romance entre Lillian Hellman e Dashiell Hammett rendeu incontáveis baixarias. Durante trinta anos a dupla manteve um caso de amor conturbado, cheio de idas e vindas, movido a muitas taças e ressacas inesquecíveis. Numa das ressacas, por vingança, Lillian tomou um avião de Nova York a Los Angeles (onde morava Hammett) só para espatifar o seu bar. Discussões e incidentes potencializados por bebida em excesso foram relatados por ela no livro autobiográfico "Pentimento".
No rol das maluquices, vale a menção a Edmund Wilson, autor de "Rumo à estação Finlândia", que frequentava festas nas quais os convidados, por volta da meia-noite, "quebravam discos na cabeça uns dos outros". O custo da bebida era tão significativo no orçamento mensal dos Wilson que a decisão dos gastos era quantificada em garrafas. "Vamos mandar consertar o cortador de grama; são só dez garrafas de Johnnie Walker", argumentava a mulher para convencê-lo.
Ainda que não se furte a revelar acidentes e suicídios cometidos por consumo desmesurado, o livro procura fazer jus à sua epígrafe. "Aprendi com a experiência que as pessoas que não têm vícios, têm muito poucas virtudes", diz a frase do ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln, que inicia o guia.(valor econômico)
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