quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A literatura americana vista através de um copo de uísque

Quem bebeu mais: Charles Bukowski, Jack London ou Scott Fitzgerald? Impossível precisar qual quantidade de álcool está na retaguarda da obra dos três escritores americanos que, em vida, não cansaram de expor ao público os seus pileques. Como eles, muitos outros, mais ou menos discretos, tinham o hábito de conjugar os verbos beber e escrever ao mesmo tempo. É o que mostra o "Guia de Drinques dos Grandes Escritores Americanos", que acaba de sair pela Zahar (104 páginas, R$ 34).

Trata-se de um livrinho de capa dura e formato de bolso, ilustrado por Edward Hemingway - ninguém menos do que o neto do escritor - com texto do roteirista de televisão e cinema Mark Bailey. É uma compilação de frases e trechos de livros de 43 autores, entre os quais oito mulheres. Embora grande parte dos escritores fosse adepto do uísque ou de bebidas puras, cada um deles é homenageado com um drinque. As receitas, clássicos da coquetelaria, foram desenvolvidas e testadas pela dupla Hemingway e Bailey, que acrescenta pitadas históricas sobre a criação dos drinques.

Apesar do evidente ar de caça-níquel e das curiosidades a respeito dos autores serem típicas de revistas de celebridades, o livro tem certa graça. Mostra, por exemplo, que se a literatura abriga menos mulheres do que homens, o dito sexo frágil (realmente mais frágil para o álcool) também é capaz de beber em quantidades industriais sem qualquer recato.

"Gosto de um Martini/dois, no máximo/com três estou embaixo da mesa/com quatro, embaixo do anfitrião", dizia a poeta e contista Dorothy Parker. Bebedora contumaz, Parker teve uma vida solitária e seu único romance duradouro parece ter sido com a bebida. Mais versátil na troca de drinques do que na de afetos, passou pelo gim e pelo uísque até descobrir o champanhe. Fato que a levou a poetizar com ironia: "Três são as coisas que nunca terei: inveja, contentamento e champanhe suficiente".

Entre os romancistas, críticos, poetas e roteiristas listados ali, cinco ganharam o Nobel e 15, o prêmio Pulitzer. Mas quando se trata de bebida, os limites entre o prazer e o perigo são tênues, sabe-se. Se farras etílicas foram responsáveis por grandes páginas da literatura, igualmente redundaram em grandes tragédias.

Os textos sobre cada escritor são curtos e navegam de forma a contrapor a inspiração e as crises de criatividade, num turbilhão movido a álcool ou a juras de abstinência. É inacreditável verificar que alguns desses prosadores atingiram o recorde pessoal ao beber 60 horas seguidas e outros, como Jack London, foram capazes de sorver saquê noite e dia durante uma semana de estadia no Japão. Há histórias como a de Jack Kerouac, autor de "On the Road", que, depois de desmaiar num bar de marinheiros no porto de Boston acordou a bordo do SS Dorchester com destino à Groenlândia.

Assim como Marilyn Monroe - que tinha por hábito tomar gim no café da manhã durante as filmagens de "Os Desajustados" (John Huston, 1960) -, a primeira refeição de Hunter Thompson, típica de um alcoólatra, incluía quatro bloody marys. Era a "âncora psíquica" do pai do "jornalismo gonzo" que, mergulhado em álcool e drogas escreveu "Medo e delírio em Las Vegas". O romance virou filme e o ébrio Thompson foi interpretado no cinema por Johnny Depp.

Em matéria de casais embriagados e escandalosos nenhum foi páreo para Zelda e Scott Fitzgerald, que simbolizaram a "geração perdida" e os loucos anos 20. Com o sucesso precoce de Fitzgerald e muito dinheiro no bolso, o par viveu entre Paris e a Riviera francesa indo de festa em festa e alimentando a crônica social com porres homéricos.

Embora menos festejado, o romance entre Lillian Hellman e Dashiell Hammett rendeu incontáveis baixarias. Durante trinta anos a dupla manteve um caso de amor conturbado, cheio de idas e vindas, movido a muitas taças e ressacas inesquecíveis. Numa das ressacas, por vingança, Lillian tomou um avião de Nova York a Los Angeles (onde morava Hammett) só para espatifar o seu bar. Discussões e incidentes potencializados por bebida em excesso foram relatados por ela no livro autobiográfico "Pentimento".

No rol das maluquices, vale a menção a Edmund Wilson, autor de "Rumo à estação Finlândia", que frequentava festas nas quais os convidados, por volta da meia-noite, "quebravam discos na cabeça uns dos outros". O custo da bebida era tão significativo no orçamento mensal dos Wilson que a decisão dos gastos era quantificada em garrafas. "Vamos mandar consertar o cortador de grama; são só dez garrafas de Johnnie Walker", argumentava a mulher para convencê-lo.

Ainda que não se furte a revelar acidentes e suicídios cometidos por consumo desmesurado, o livro procura fazer jus à sua epígrafe. "Aprendi com a experiência que as pessoas que não têm vícios, têm muito poucas virtudes", diz a frase do ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln, que inicia o guia.(valor econômico)

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